terça-feira, 22 de março de 2011

Humanização (PAULO FREIRE)

ASS: Juliana.

PAPEL DA EDUCAÇÃO NA HUMANIZAÇÃO
Paulo Freire
Não se pode encarar a educação a não ser como um que-fazer humano. Que-fazer,portanto, que ocorre no tempo e no espaço, entre os homens, uns com os outros.Disso resulta que a consideração acerca da educação como um fenômeno humano nos envia a uma análise, ainda que sumária, do homem. O que é o homem, qual a sua posição no mundo - são perguntas que temos de fazer no momento mesmo em que nos preocupamos com educação. Se essa preocupação, em si, implica nas referidas indagações - preocupações também, no fundo -, a resposta que a ela dermos encaminhará a educação para uma finalidade humanista ou não. Não pode existir uma teoria pedagógica, que implica em fins e meios da ação educativa, que
esteja isenta de um conceito de homem e de mundo. Não há, nesse sentido, uma Educação neutra. Se para uns, o homem é um ser da adaptação ao mundo -
tomando-se o mundo não apenas em sentido natural, mas estrutural, históricocultural-, sua ação educativa, seus métodos, seus objetivos, adequar-se-ão a essa concepção. Se, para outros, o homem é um ser de transformação do mundo, seu que-fazer educativo segue um outro caminho. Se o encaramos como uma “coisa”,nossa ação educativa se processa em termos mecanicistas, do que resulta uma cada vez maior domesticação do homem. Se o encaramos como pessoa, nos só que-fazer será cada vez mais libertador. Por tudo isso, nestas exposições, para que resulte clara a posição educativa que defendemos, abordamos - ainda que rapidamente - esse ponto básico: o homem como um ser no mundo com o mundo.
O próprio homem, sua “posição fundamental”, como diz Marcel, é a de um ser em situação – “situado e fechado”. Um ser articulado no tempo e no espaço, que sua consciência intencionada capta e transcende. Tão somente o homem, na verdade,entre os seres incompletos vivendo um tempo que é seu, um tempo de quefazeres,é capaz de admirar o mundo. É capaz de objetivar o inundo, de ter nesse um “não eu” constituinte do seu eu, o qual, por sua vez, o constitui como mundo de sua consciência. A possibilidade de admirar o mundo implica em estar não apenas nele, mas com ele; consiste em estar aberto ao mundo, captá-lo e compreendê-lo; é atuar de acordo com suas finalidades a fim de transformá-lo. Não é simplesmente responder a estímulos, porém algo mais: é responder a desafios. As respostas do
homem aos desafios do mundo, através das quais vai modificando esse mundo,
impregnando-o com o seu “espírito”, mais do que um puro fazer, são que-fazeres que contém inseparavelmente ação e reflexão.Porque admira o mundo e, por isso, o objetiva; porque capta e compreende a realidade e a transforma com a sua ação-reflexão, o homem e um ser da práxis.
Mais ainda: o homem é práxis e, por que assim o é, não pode se reduzir a um mero espectador da realidade, nem tão pouco a uma mera incidência da ação condutora de outros homens que o transformarão em “coisa”. Sua vocação ontológica, que ele deve tornar existência é a do sujeito que opera e transforma o mundo. Submetido a condições concretas que o transformem em objeto, o homem estará sacrificado em sua vocação fundamental. Mas, como tudo tem seu contrário, a situação concreta na qual nascem os homens-objetos também gera os homens-sujeitos. A questão que agora enfrentamos consiste em saber, na situação concreta em que milhares
de homens estejam nas condições de objetos, se aqueles que assim os transformam são realmente sujeitos. Na medida em que os que estão proibidos de ser são “seres-para-outro”, os que assim o proíbem são falsos “seres-para-si”.
Por isso, não podem ser autênticos sujeitos. Ninguém é, se proíbe que outros sejam.
Essa é uma exigência radical do homem como um ser incompleto: não poder ser, se os outros também não são. Como um ser incompleto e consciente de sua incompleticidade - o que não ocorre com os “seres em si”, os quais, também incompletos, como os animais, as árvores, não se sabem incompletos -, o homem é um ser da busca permanente. Não poderia haver homem sem busca, do mesmo modo como não haveria busca sem mundo. Homem e mundo: mundo e homem, “corpo consciente”, estão em constante interação, implicando-se mutuamente. Tão somente assim pode-se ver ambos, pode-se compreender o homem e o mundo sem distorcê-los.

Um comentário:

  1. Na consideração sobre o que é educar, participam as considerações sobre o que é aprender e ensinar. Fenômenos estes que incitam respostas às seguintes questões: o que é o homem? O que é sociedade? O que é aprendizagem? O que é ensino?
    Essas reflexões colocam aquele que reflete numa posição de sujeito que se relaciona com o outro - pessoa - gerando "homens-sujeitos".
    O que a sua concepção de aprendizagem e ensino leva-lhe a pensar no tipo de relação que deseja gerar com os outros, nos espaços educativos?

    Sandra Ataíde

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